sexta-feira, 13 de novembro de 2009

RESTAURAÇÃO DOS “MILAGRES DE SANTO ANTÔNIO”





RESTAURAÇÃO DOS “MILAGRES DE SANTO ANTÔNIO”
EM 1985, NA CIDADE DE PARAHYBA




O único vestígio do altar-mor original da nave central da Igreja de São Francisco, em João Pessoa, é o forro, com belos painéis pintados, e que passou mais de oitenta anos com a sua pintura original encoberta por grossas camadas de repinturas de tintas a óleo de cor cinzenta.
Passado-se quase um século após a destruição do altar-mor e da repintura no forro, não havia um único registro que pelo menos levantasse a hipótese de haver pintura decorativa sob aquela inexpressiva cor acinzentada. Sabe-se que nos primeiros anos do século XX (por volta de 1902), a madeira estrutural de sustentação dos elementos artísticos / decorativos da capela (camarinha, retábulos, colunas, painéis, sanefas, etc...), se encontravam maciçamente atacados pelos cupins, colocando em risco inclusive a integridade física das pessoas que por ali transitavam.
Naquele período, a arquidiocese da Paraíba era dirigida pelo Arcebispo Dom Adalto de Miranda Henriques, que ao ver o lastimável e avançado estado de degradação de todo o madeiramento da parte decorativa da capela e temendo um acidente, ordenou a retirada de tudo que era de madeira, inclusive das molduras dos painéis do forro, bem como a aplicação das espessas camadas de repinturas de cor cinza sobre as pinturas artísticas ali existentes. O resultado dessa desastrada decisão foi trágico, todos conhecemos. A capela restou morta, ficou ôca, vazia. O que foi feito ou onde foi parar todo o material que fora dali retirado? Ninguém sabe, não sabemos se existe registro de tal atitude. Ações e iniciativas para se restaurar aquele material naquele momento e aqui na Paraíba, era algo impensável para a época. Talvez na Europa tentativas nesse sentido pudessem ser pensadas e executadas, mas os custos certamente impediriam tais realizações.
O fato é que, o único vestígio real do altar–mór da nave central da Igreja, que são as pinturas do forro, no final do século XX, após mais de oitenta anos encoberto pela repintura, era totalmente desconhecido da população, nada se sabia das pinturas, da sua existência. Nem mesmo os historiadores locais emitiam opiniões ou levantavam questionamentos a respeito do assunto.
Algumas outras tentativas de se erguer na capela, um altar-mor em alvenaria, foram realizadas nos anos que se seguiram após a sua destruição, no entanto, tais intervenções se mostraram absurdamente bizarras, de impossível integração ao conjunto original da obra existente no local. Concluindo-se assim, que qualquer tentativa de substituição do original seria drástico, a opção seria recuperar as pinturas do forro e deixar a capela vazia.
Somente no final dos anos setenta, a professora e restauradora Tereza Carmem Diniz, de Recife, mas que dava aulas no Departamento de Arte da Universidade Federal da Paraíba, ao executar alguns trabalhos de restauração de imagens no interior do convento, levantou a suspeita da existência de pintura decorativa no forro e resolveu realizar um teste para comprovar de fato a existência de alguma obra. Comprovada a existência da pintura, a questão agora seria como providenciar a sua restauração.
O monumento, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, necessitava de uma ação que partisse de uma grande vontade política das autoridades locais, envolvendo o IPHAN, que deveria executar a obra através da Fundação Nacional Pró-Memória. Na época, o Governador Tarcísio Burity – homem culto e de rara sensibilidade e bom gosto – determinou a restauração total do monumento, através de convênio com o Governo Federal. Como à época não havia restauradores especialistas em patrimônio móvel na cidade, um convênio realizado com o Governo da Bahia, possibilitou o deslocamento de uma grande equipe de profissionais da cidade de Salvador, em 1981, para João Pessoa. A “missão” dessa equipe de baianos, além de executar os serviços de restauração no monumento, seria também a de iniciar a formação de uma equipe local de restauradores, através de cursos, estágios e conseqüentemente contratos de trabalho. A intenção era que no futuro, essa equipe local de restauradores se tornasse capaz de dar continuidade às obras de restauração do monumento.
A equipe de restauradores da Bahia retornou no final de 1984 e o trabalho de restauração no forro da capela –mór, só veio a ser iniciado em janeiro de 1985, sendo executado pela equipe da Paraíba, que contava com 10 membros sob a coordenação da restauradora pernambucana Pérside Omena Ribeiro. Composto por 106 tábuas de vinhático, o forro, que representa uma área de 96 m2 foi todo retirado do local a fim de facilitar a restauração de toda sua parte estrutural e estética. Um atelier/laboratório, além de uma marcenaria, foram montados no interior do convento com a finalidade de proporcionar o bom desenvolvimento dos tratamentos de restauro em cada tábua do forro. A madeira das tábuas, utilizadas como supoorte para as pinturas também se encontravam bastante danificadas e tiveram que passar por intensos tratamentos de restauro.
A curiosidade de se descobrir e conhecer a obra que estava sob aquela cobertura cinzenta estimulava a equipe de restauradores, que pouco a pouco ia montando uma espécie de quebra-cabeça com as tábuas que iam tendo os trabalhos de remoção das repinturas adiantados ou concluídos. Aos poucos percebeu-se que se tratava de vinte painéis separados, medindo cada um aproximadamente 1,30 m. x 1,40m. de dimensões e representavam as passagens dos conhecidos milagres do Stº Antônio. Numa certa altura dos trabalhos, um fato curioso chamou bastante atenção da equipe de restauradores, que ao iniciar a remoção da repintura de uma determinada tábua, a primeira imagem a aparecer foi exatamente a cara de uma figura que representa o satanás (em vários painéis do forro aparecem imagens do diabo). Aquela imagem aparecer em primeiro momento, foi como se após mais de oitenta anos aprisionada e encoberta pelas várias camadas de repinturas, estivesse sendo libertada naquele momento, em primeira mão. Felizmente, em seguida surgiram as imagens do Sto. Antonio, o que de certa forma encaixou-se na simbologia expressada em alguns dos próprios painéis, onde o Sto. Antonio surge como aquele que persegue e afasta o demônio e suas tentações, do pensamento humano.
Os vinte painéis com as pinturas que representam as passagens dos milagres de Stº Antonio em toda a sua grandiosidade podem ser apreciados hoje, restaurados em sua integridade material e estética, na capela–mor da nave central da igreja de São Francisco em João Pessoa. Ùnico vestígio real dos elementos decorativos que compunham o altar-mor da Igreja, que certamente era dedicado ao Stºª Antonio.

Otávio Maia - Jornalista DRT/PB - 1219
Restaurador / especialista.
otaviocom@ig.com.br






Nenhum comentário:

Postar um comentário